Coisas e mais sobre Leandro Gomes de Barros

por aderaldo

1. No dia 4 de marçoo aniversário de morte do maior poeta cordelista do Brasil: Leandro Gomes de Barros. Minha alegria de ter cruzado com Leandro e com sua obra é o que deve ser contado. Decidi reler toda a obra do bardo e identificar algumas peculiaridades. E assim vai: Leandro foi um homem de seu tempo. Filho da primeira revolução industrial, não vacilou e aliou-se à máquina. Dessa forma ilustrou a capa de seus folhetos com fotografia, mídia recém-descoberta. É célebre a estampa de seu busto na contracapa de seus folhetos para evitar falsificação. Montou sua própria tipografia e começou a publicação em série de seu lavra. Contactou distribuidores e pensou uma estrutura de marketing positivo. E aqui há uma observação a fazer. Quando se diz que Leandro viveu do que escreveu é informação incompleta. Pois não só escreveu, como produziu, diagramou, distribuiu, contabilizou, imprimiu, corrigiu, enfim foi o super-homem na linha de produção. Da concepção, escrita, impressão e distribuição foi ele o responsável. Viveu de seu trabalho diuturno. Leandro só pensava em cordel e em como aprimorá-lo, transformando-o em um item agradável aos olhos, ao tato e à mente. Literatura e entretenimento, isso o que queria Leandro.

Um poema perdido de Leandro?

Conta-nos Sebastião Nunes da Silva de fato acontecido entre Leandro e seu amigo e contraparente Francisco das Chagas Batista, quando este residia em Guarabira-PB. Numa das constantes visitas de Leandro, foram a um casamento a cavalo. Desse passeio resultou um poema de Leandro intitulado O Poltro do Meu Colega, referência ao cavalo desengonçado por ele montado. Ainda não encontrei tal poema, tampouco encontrei alguém que já o tenha lido. Sei apenas, noticiado pelo Nunes Batista, da resposta escrita em folheto por Chagas Batista e também desaparecida do acervo da Biblioteca Nacional. Transcrevo a primeira estrofe. No caso de não haver empecilho quanto aos direitos autorais posso transcrevê-la totalmente:

Leandro Gomes, um dia
Precisou de meu cavalo,
Falou-me para alugá-lo
Disse que me pagaria!
Eu não marquei a quantia
E entreguei-lhe o sendeiro,
Ele que é mau cavaleiro
Lá no caminho caiu,
E ao voltar, me iludiu
Não quis pagar meu dinheiro…

Um equívoco de Câmara Cascudo

Depois da morte de Leandro, em 1918, sua obra foi administrada por seu genro Pedro Batista. Depois, por volta dos anos 20, os direitos autorais foram adquiridos pelo poeta João Martins de Ataíde que passou a assinar os folhetos, adulterando, inclusive, os acrósticos leandrinos. Aconteceu o mesmo quando da aquisição por José Bernardo da Silva que, omitindo o nome de Leandro, anotava-se como editor proprietário. Esses subterfúgios levaram Câmara Cascudo, o nosso impagável estudioso, a cometer um equívoco. Em seu Vaqueiros e Cantadores ele nos dá a autoria de A História de Pedro Cem como sendo de João Martins de Ataíde, à página 259, do nº 81 da coleção Reconquista do Brasil (Nova Série). Diz:

“O poeta popular João Martins de Ataíde reconstituiu o romance, escrevendo-o em sextilhas, ao gosto das cantorias nordestinas. Há várias edições. A que transcrevo é de junho de 1932, impressa em Recife, Pernambuco. Pedro cem continua tendo leitores e sua existência servindo de exemplo apavorador.”

Quatro versões para O Soldado Jogador

A primeira história de Leandro que li foi O Soldado Jogador. Anotada por Leonardo Mota e ouvida do Cego Aderaldo, foi transcrita em Cantadores. O que pretendo é descrever as cinco primeira estrofes de quatro versões que tenho para essa história para que observemos as mudanças no texto de cada uma delas. É claro que não atrapalham o sentido geral da obra, mas pode, além de servir de curiosidade, dar testemunho de que se pode fazer algo pior com as obras dos nossos autores de cordel. Por isso, certa vez, quando o nosso Marco Haurélio estava na Luzeiro, pedi que a editora observasse o ISBN das publicações. Dessa forma se evitaria a intervenção na obra definitiva. Transcrevo a versão de Leota, ouvida do Cego Aderaldo:

Era um soldado francês
Que se chamava Ricarte,
Jogador de profissão;
Nunca ele foi numa parte
Que não trouxesse no bolso
O resultado da arte.

Os franceses, nesse tempo,
Tinham por obrigação
— o militar e o civil —
Seguir a Religião;
O Papa fazia a lei,
Botava em circulação.

Ricarte, soldado velho,
Com trinta anos de tarimba,
Aonde ele achava jogo
De sete e meio ou marimba,
Dizia logo: —“Eu vou ver
Água na minha cacimba!”

Um dia, faltou-lhe o soldo…
Ricarte pôs-se a pensar
Onde podia haver jogo
Que ele pudesse jogar…
Era domingo e a Missa
Não havia de tardar.

Dinheiro não tinha um xis!
Fiado nem se falava,
Pois um soldado francês,
Na bodega em que comprava,
Só pegava um objeto
Porém depois que pagava…

MOTA, Leonardo. Cantadores. 6ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. Pg. 110-114


Versão da Antologia da Casa de Rui Barbosa

Perceba-se que não interferi na acentuação gráfica como era na época.

Era um soldado Francês
Que se chamava Ricardo
Jogador de profissão
E nunca foi numa parte
Que não trouxesse no bôlso
O resultado da arte.

Os franceses neste tempo
Tinham por obrigação
O militar ou civil
Seguir a religião
O Papa deitava a lei
Botava em circulação.

Ricardo soldado velho
Com trinta anos de tarimba
Aonde achava jôgo
De lasquinê ou marimba
Dizia logo eu vou ver
Água em minha cacimba.

Um dia faltou-lhe saldo
Pôs-se Ricardo a pensar
Onde podia haver jôgo
Que ele podesse jogar
Era domingo e a missa
Não havia de tardar.

Dinheiro não tinha um X
A crédito êle nem falava
Pois um soldado francês
Na taberna onde comprava
Só pegava no objeto
Porém depois que pagava.

LITERATURA POPULAR EM VERSO. Antologia. Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Casa de Rui Barbosa, 1964. Coleção de textos da língua portuguesa moderna-4. Pp. 457-460.

A versão de Irani Medeiros

Era um soldado francês
Que se chamava Ricarte
Jogador de profissão
E nunca foi numa parte
Que não trouxesse no bolso
O resultado da arte.

Os franceses nesse tempo
Tinham por obrigação
O militar ou civil
Seguir a religião
O Papa deitava a lei
Botava em circulação.

Ricarte soldado velho
Com trinta anos de tarimba
Aonde ele achava jôgo
De lasquinê ou marimba
Dizia logo: eu vou ver
Água na minha cacimba.

Um dia faltou-lhe o soldado
Pôs-se Ricarte a pensar
Onde podia haver jogo
Que ele pudesse jogar
Era domingo e a missa
Não havia de tardar.

Dinheiro não tinha um xis
A crédito êle nem falava
Pois o soldado francês
Na taberna onde comprava
Só pegava no objeto
Porém depois que pagava.

MEDEIROS, Irani (org). Leandro Gomes de Barros. No reino da poesia sertaneja. João Pessoa: Idéia, 2002.

A versão da Queima-Bucha

Era um soldado francês
Que se chamava Ricarte
Jogador de profissão
E nunca foi numa parte
Que não trouxesse no bolso
O resultado da arte.

Os franceses nesse tempo
Tinham por obrigação
O militar ou civil
Seguir a religião
O Papa deitava a lei
Botava em circulação.

Ricarte, soldado velho
Com trinta anos de tarimba
Aonde ele achava jogo
De lasquinê ou marimba
Dizia logo: — Eu vou ver
Água na minha cacimba!

Um dia faltou-lhe o soldo
Pôs-se Ricarte a pensar
Onde podia haver jogo
Que ele pudesse jogar
Era Domingo e a missa
Não havia de tardar.

Dinheiro não tinha um “xis”
A crédito ele nem falava,
Pois o soldado francês
Na taberna onde comprava
Só pegava no objeto
Porém depois que pagava.

BARROS, Leandro Gomes de. O soldado jogador. Mossoró: Queima-Bucha, 2005.